Uma biblioteca muito particular

A biblioteca que pertenceu a Fernando Pessoa (1888-1935) – os livros que comprou, recebeu de amigos, ganhou, herdou, editou, leu e profusamente anotou – constitui o maior valor da Casa Fernando Pessoa. A Biblioteca Particular de Pessoa - cerca de 1300 títulos no total, mais de metade em língua inglesa – é o nosso espólio mais valioso e que está na origem da fundação da Casa Fernando Pessoa em 1993.

A Casa Fernando Pessoa é assim originalmente um espaço de e para a leitura: um espaço que nasceu do interior dos livros. Colocam-se questões como: que livros leu Pessoa? Que autores escolheu? Como se podem ver esses traços naquilo que escreveu?

Há uma ponte natural que une a Casa Fernando Pessoa à Biblioteca Nacional de Portugal: se encontramos na BNP os manuscritos, os cerca de 27 000 papéis do escritor Pessoa, é aqui na Casa Fernando Pessoa que guardamos a sua contraparte: os livros escolhidos por Pessoa leitor.

A esta circunstância acresce um elemento fundamental: tecnicamente chamada marginalia, encontramos em muitos desses livros, notas, comentários, interrogações ou até um poema inteiro. Pessoa traduzia, sublinhava, escrevia à margem o que raciocínios, personagens e palavras de outros despoletavam no seu próprio pensamento e na sua prática de escrita.

Em 2010, uma equipa internacional de investigadores, coordenada por Jerónimo Pizarro, Patricio Ferrari e Antonio Cardiello, no âmbito de uma colaboração protocolada entre a Casa Fernando Pessoa e o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, conseguiu terminar a digitalização integral da biblioteca particular de Pessoa. Desde essa data, o conjunto de livros que pertenceu ao autor encontra-se online, acessível a partir de qualquer ponto do mundo. Só desta forma se assegura a permanência de um espólio que os anos vão acabar por apagar, e só assim se permite que circule e seja lido noutras geografias.

Clara Riso
Directora da Casa Fernando Pessoa